sábado, 4 de dezembro de 2010

Escritores da Liberdade: Uma análise em paralelo com a matriz Kafkiana






Sínopse:

É interessante a relação que se dá entre os "poderes" representados pelos professores e pelos próprios alunos. Os alunos que se apresentam neste contexto são de origem humilde, sendo a maioria da etnia negra, de descendência asiática ou de países latinos. E todos eles convivem separadamente no ambiente escolar, sempre dispostos a entrar em conflito uns com os outros.
Foi quando a professora Erin Gruwell entrou para a escola que as coisas começaram a mudar. Inicialmente foi maltratada e teve de enfrentar muitos preconceitos por parte dos alunos. Mas com toda a sua boa vontade e criatividade, Gruwell mudou a percepção de vida daqueles adolescentes, conseguindo relacionar a realidade violenta vivida pelos jovens com os fatos ocorridos no Holocausto, durante o período da Segunda Guerra Mundial. Ela conseguiu unir os jovens de todas as etnias, conseguiu fazer com que se interessasse por leituras históricas (sempre relacionando a realidade dos livros com a vida atual e violenta vivida pelos adolescentes). Todos começaram a respeitá-la e a tê-la como madrinha, inclusive chamando-a de “mãe”, gíria que indicava extremo apreço.
Isso desperta os inveja de alguns professores, que tentam barrar Gruwell em sua eficiente educação. Porém, eles não conseguem, e Erin permanece com os alunos até o final do Ensino Médio.

Paralelo: O filme e as leituras de Franz Kafka.

Em primeiro momento parece algo incongruente comparar o filme Escritores da Liberdade com as leituras da obra de Franz Kafka. Mas, em muitos momentos estas duas obras podem se relacionar. Para isso, vamos relembrar duas obras de Kafka, Carta ao Pai e Metamorfose.
Em Metamorfose livro escrito em 1912, o personagem principal Greg Samsa, um caixeiro-viajante, se vê da noite para o dia transformado em um ser monstruoso, um inseto de feições nojentas, não podendo revelar isto a ninguém, nem mesmo a sua família. Família da qual Greg é “obrigado” a sustentar com seu esforço, o que o impossibilita de ter distrações e outras atividades. Nesta obra, Kafka revela o quanto o homem pode se mostrar desesperado diante do mundo absurdo. Fica claro o sentimento de falta de perspectivas, de desesperança, de pessimismo com relação ao futuro. Uma total solidão marca também a vida do jovem Samsa, juntamente com indignação, seja contra a família que o explorava, o patrão que o oprimia ou a sociedade em geral que o sufocava. Muitas vezes, os jovens retratados no filme tinham que oprimir seus monstros interiores, sua angústias, seus mais primitivos medos, não tendo auxílio de ninguém, nem da família, nem da sociedade que o enxerga como um degenerado, sem falar da escola (leia-se professores) que oprimem suas idéias e modos de agir. Muitas vezes este aluno vira um verdadeiro monstro aos olhos dos docentes, família e sociedade em geral. O sentimento pungente de pessimismo, de negação da própria essência também lembra Samsa.
Já em Carta ao Pai, um texto de tom biográfico retrata todas as frustrações do jovem Kafka que recentemente tivera duas decepções amorosas (dois casamentos rompidos), uma relação ambígua com a irmã, bem como uma eterna rivalidade com o pai, o qual não amava (fala expressamente no livro), mas mesmo assim nutria um extremo respeito. Como se não bastasse ele ainda não possuía o emprego dos seus sonhos.
Kafka então se propôs a escrever uma carta endereçada ao seu pai, onde lhe mostrava os seus maiores medos, ressentimentos e tristezas, bem como afirmava os motivos pelos quais não tinha uma intimidade maior com seu pai. Os alunos de Erin, também tiveram a oportunidade de escrever seus sentimentos, seu cotidiano, o que sentissem vontade em uma espécie de diário. Este diário poderia nunca ser lido (assim como uma carta sem endereçamento), embora, felizmente, todos os alunos tiveram o interesse de compartilhar suas historias. Com isso o nome do filme Escritores da Liberdade, onde através da escrita estes alunos libertavam-se de seus monstros interiores que carregam em seu bojo todos os sentimentos de pessimismo e angústia. Kafka também tencionou a liberdade de suas angústias, entretanto não enviou a carta ao seu pai, talvez seu estado mórbido diante da vida fosse algo irreversível. Pena o nosso ilustre Kafka não ter tido uma professora Erin em sua vida...