domingo, 17 de maio de 2009

Tráfico Africano: Causas e Conseqüências de um infame Comércio



Resumo: Neste pequeno artigo trataremos de como os movimentos de trafico negreiro ocorreram, que rotas utilizaram, quem vendia, quem comprava, ou seja, todas as significações da escravidão negra em África, Américas, e em especial no Brasil.
Será tratado por um viés histórico e antropológico, visando analisar as influências que esse tráfico e conseqüente imigração de negros para o Brasil causou para a política, economia e cultura de nosso país.


Abstract: In this short article on how to deal with movements of the slave trade occurred, which routes used, who sell, buy, or all the meanings of black slavery in Africa, Americas, and particularly in Brazil.
Will be treated by a historical and anthropological bias, to examine the influences that trafficking and consequent migration of blacks to Brazil led to the politics, economy and culture of our country.




V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

( Trecho de “Navio Negreiro”, Castro Alves)


Ao lermos na escola muitas vezes não temos idéia do que Castro Alves está dizendo, ou então sabemos muito por superficialmente, apenas o que os pais falaram ou os professores, mas não sabemos realmente o que foi este processo tráfico negreiro e escravidão.

História do tráfico Saariano
“A escravidão sempre existiu desde a antiguidade, onde os vencidos na guerra ou infratores de certas leis perdiam a liberdade. Segundo a Bíblia, os judeus sofreram diversos ‘cativeiros’ no Egito e na Babilônia. Entre os gregos, romanos e posteriormente, bizantinos e mulçumanos, os escravos adquiriram alguns direitos, como possuir dinheiro e propriedades, assim como herdar e transmitir herança; casar legalmente; comprar a própria liberdade ou a de terceiros, desde que possuíssem a quantia necessária; e não raras vezes ocuparam altos cargos administrativos e políticos, ou alcançaram destaque no meio cultural” (RODRIGUES, 1978, p.86)

Mas, essa situação mudaria totalmente, caminhando para um sistema jamais visto na historia. Para iniciar nosso estudo podíamos dizer que a palavra “escravo” deriva de eslavo, tal foi a difusão da venda deste povo pelos italianos de Veneza e Gênova. Como se sabe as práticas de escravizar tiveram diferentes facetas durante os tempos, começando em épocas muito remotas.
Como cita Ki-Zerbo, “Deve-se salientar, antes de mais nada, que o tráfico de escravos não foi uma operação premeditada.” (KI-ZERBO, 1999, p.262). Para iniciar, falaremos do tráfico saariano. Este basicamente empregado pelos árabes islâmicos logo após sua chegada a África e sua tentativa de islamização dos povos pagãos, logo ganhou importante peso econômico, através do comércio de armas de fogo, ganhando caráter estritamente comercial. Seu inicio se deu em meados do século VII.
A escravidão é recorrente entre os povos mulçumanos, mas apenas com outras povos, sendo proibida a venda de islâmicos. Até por uma questão cultural e econômica, os povos mulçumanos não achavam interessante o trabalho escravo, já que escravos não pagariam tributos. O Egito a partir do ano 1000, Marrocos, Arábia e após no século XVII a Turquia aderiram a essas trocas comerciais, que evidentemente não se aproximaram da massa transportada para a América, ou das crueldades tomadas em relação aos escravos, mas também teve real importância. Como diz Rodrigues:
“Partindo das cidades na fimbria do deserto, no correr dos séculos substituíram o ouro e sal pelos escravos e armas de fogo. Podemos identificar quatro rotas principais: uma de Timbuctu ao Marrocos controlada por mouros e tuaregh; outra de Kano a Tunis via Gadamés realizada por tuaregh e ussá; uma do Bornú a Trípoli via Fezzam supervisionada por Beduínos árabes; e finalmente uma do Uadai para Benghazi pertencente aos tubu do Tibesti”. (RODRIGUES, 1978,p.104)

No mundo mulçumano a escravidão era basicamente doméstica, já que eram destinadas as lidas da casa ou então ao serviço militar. Em Meca, a maioria a ser vendida era mulheres, que ainda eram mais valorizadas se fossem mais próximas da coloração branca. Na administração turca os eunucos que ganharam papeis de destaque e cargos altos, até mesmo pelo fato de serem impedidos de acumularem riquezas. Mas, como começou toda essa rede de mercados? Os povos em estágios mais avançados geralmente passavam pela escravidão, e isso não se resume a áfrica, mas também a Ásia e América, somente com nomes e modalidades diferentes. Numa das rotas de fluxo de escravos, a de Tumbuctu, este comércio já era praticado e os escravos de Mali eram brancos. Na África, porem a visão de escravo era diferente, sendo que muitas vezes eles podiam integrar a família, possuir bens, direitos civis, tinham que pagar tributos e até mesmo substituir o seu patrão, em caso de falta deste. Alguns escravos chegaram a ter escravos, o que para o modelo americano seria impossível. Mas, como diz bem Ki-Zerbo, é ridículo acreditar que os europeus criaram o sistema, assim como na América, onde a forma de trabalho compulsória da Mita e do repartimiento foi adaptada para apenas mudar as mãos de quem recebia os serviços, agora ao invés do Inca, era a Coroa de Espanha que podiam desfrutar de seus serviços e no caso africano, os paises ibéricos. França e Inglaterra somente algum tempo depois mirariam em África. Agora, os europeus com seus pequenos portos e fortes tentavam negociações e alianças, estamos em meados de 1600.

O trafico Transatlântico: Negros chegam as Américas
Portugal lidera as explorações em África, tanto nas possessões de ilhas, quanto nas alianças no continente. Depois de derrubar a concorrência holandesa, herdaram de vez a Costa do Ouro, perto do forte Elmira. Os holandeses haviam abocanhado Elmira e Luanda, como reserva humana para uso de escravos em sua Guiana (Suriname), e no nordeste brasileiro recém-conquistado. Com a vitória portuguesa diante da Companhia das Índias ocidentais1, a coroa recuperou estes dois fortes.
França e Inglaterra somente mais adiante tomariam interesses pela África. No começo o transporte de negros foi para Lisboa e outras partes da Europa, mais como trabalhadores domésticos, assim como os árabes já faziam desde o século VII. Com a colonização da América, permitiu-se a pratica do plantation2, tropical e monocultural e os portugueses vislumbraram promover a produção do produto mais valioso da época, o açúcar. Para trabalhar tamanhas terras seria necessária mão-de-obra. E após algumas tentativas frustradas com os povos indígenas (excetuando aos povos andinos onde já haviam sociedades mais organizadas hierarquicamente e com trabalho compulsório) e a grande oposição da escravidão nativa por parte da igreja, os portugueses no Brasil e ilhas do Caribe; os ingleses na Jamaica, Barbados, Bermudas, Granada, Caribe; os espanhóis, com maioria das Américas; franceses e até dinamarqueses queriam a hegemonia por esse mercado. Sobrou para os africanos este trabalho, já que eles tinha a pratica da metalurgia, mineração e agricultura, além de maior resistência física. Mas, como trazer esses homem escravizados agora, para as Américas? O método mudou muito de região a região. Os paises europeus também não seguiram uma forma uniforme de permuta, sendo que alguns paises criaram grupos comerciais, como a Companhia das Índias Ocidentais (Holanda), Real Companhia Inglesa (Inglaterra). Muitos se usaram de suas possessões e feitorias para promover trocas com os soberanos locais, se usando de suas bugigangas para efetuar o comercio.
Mas, perto de 1700 o poderio europeu ainda era bem limitado. Com a chegada dos anos próximos a 1800, e após essa data o trafico atingiu níveis jamais vistos:
“segundo um relatório do Ministério dos negócios estrangeiros do Império do Brasil, em 1853, foram desembarcadas, apenas no Rio de Janeiro, entre 1840 e 1845, cerca de 120.000 africanos; nos cinco anos seguintes, o numero foi 220.000. Note-se nessa época o trafico era ilegal e restrita ao sul do Equador.”(RODRIGUES, 1978,p.89)

Mas, a partir do século XVIII, a Europa está mudando. Os interesses não correm em conjunto com a escravidão. Filósofos franceses como Voltaire3 se opõe. Na Inglaterra em 1772, todos os escravos foram libertos, num total de 15.000 negros do subúrbio de Londres e Liverpool. Mirabeau, após a libertação de escravos da França em 1789, queria estender para as colônias, mas esta lei foi rechaçada pela Assembléia. Em 1794, o retorno da escravidão promove a Independência (não somente ela, mas foi um dos motivos principais) no Haiti. Nos EUA, somente após 1860 e as complicações da guerra de secessão que a escravidão some das terras americanas oficialmente. A Inglaterra, desde 1817, promove pressões no trafico transatlântico. A primeira foi permitir apenas o tráfico abaixo da linha do Equador. Estava liberada a passagem no golfo da Guiné, entrando Moçambique e outros portos do oceano Indico. Em 1836 o Brasil passa a proibir também o tráfico, mas assim, surgiu o contrabando.
O produto da época, não era o açúcar, mas sim o café. Apenas em 1886 Cuba e em 1888 no Brasil que se acabaram as mazelas da escravidão, mas ficaram todas as marcas que se podia prever. Alguns ex-escravos, alforriados entre 1830 e 1858 (principalmente em na gestão do rei de Daomé, Guezo), tornaram-se traficantes, inclusive de escravos. Mongo John Ormond, Francisco Félix de Souza, sao bons exemplos disso.
Francisco Felix de Souza, Xaxá de Souza, é protegido rei Guezo e até hoje existe uma “dinastia” de xaxás, em Benim (ex-Daomé).

Rotas e Localizações dos Pontos de Tráfico
Em primeiro lugar, as rotas do trafico saariano:
1)Tumbuctu-Marrocos, dos mouros e tuaregh.
2)Kano-Túnis, tuaregh e mossis.
3)Bornú-Trípoli, beduínos árabes.
4)Uadai-Benghazi, tubu do tibesti.
5)Sennar-Kordofan, beduínos e bedja.


Nas Américas:
1)Região Mandinga; Brasil e Antilhas
2)Ashanti, Ibô, Daomé e Benin; Brasil, Antilhas e América do Norte.
3)Luanda e Bailundo; Brasil.
4)Zamzibar; Antilhas e América do Norte.
5)Ambongo; Brasil.


(mapa das Rotas para as América)

Métodos de Aprisionamento

“os métodos de ação eram muito simples. Propaganda psicológica, que fazer crer aos negros, por uma demonstração de forças ou de faustos, que se é o primeiro país da Europa, ou que se desviam os outros negreiros das zonas da costa particularmente interessantes, contando fábulas terríveis a seu respeito. Havia também as viagens pagas á Europa. Foi assim que, depois de fazer chegar ao rei de Ardres um saiote de cetim e chinelas escarlates, o Sieur Delbée organizou a viagem do seu embaixador Mateus Lopes até Paris. (KI-ZERBO, 1999, p.268).

Como eram feitas as capturas na África de escravos? Provavelmente esta pergunta foi feita algumas vezes. As companhias eram as formas mais convencionais, por assim dizer, que eram formas de negociação das partes européias e dos reinos Africanos. O direito foi transferido aos espanhóis, e depois da vitória à armada invencível de Filipe II, os ingleses. Os portugueses que nunca tiveram grandes navios ficavam fora destas negociações. Além de negros estes cargueiros vinham com outros tipos de produtos, dos mais variados tipos.
“Não se deve também esquecer de fazer os negros gargarejarem com sumo de limão ou com vinagre, para evitar o escorbuto” (KI-ZERBO, 1999, p.271).

Havia também o trafico por cabotagem, que nada mais era que o assalto a navios cargueiros, por outras filiações ou bandeiras nacionais. Os franceses que não possuíam instalações legais se valiam seguidamente deste método. O trafico tinha apoio quase que absoluto das forças africanas, e servia de escambo para obtenção de armas de fogo e outros produtos que dessem soberania interna a esses reinos.

Tráfico entre Brasil e Angola: A população bantu
Um dos maiores centros exportadores de escravos foi Luanda, e por conseqüência ótimo desenvolvimento no país, já que sua população dobrou de 1845 a 1850 (de 5000 pessoas para 12000). Benguela foi outro escoadouro importante, assim como Cabinda e Loango.
Aqui ocorre verdadeiro monopólio português. Quase todos os navios partem para o Rio de Janeiro. E depois, com os embargos ingleses, o movimento apenas aumentou, apenas extinguindo em 1860. Ndongo, Manicongo, Benguela eram todas de Portugal.
“O tráfico ocupava o primeiríssimo lugar entre as atividades econômicas, e mesmo a produção alimentícia era insuficiente. Para conseguir o número de prisioneiros desejado, o governo local impunha uma taxação sobre a aldeia – que podia ser paga em escravos. Os “pombeiros” (mercadores mestiços) estimulavam guerras entre os povos do interior para a obtenção de cativos. A própria Igreja Católica obtinha lucro desta atividade desumana: e o bispado local recebia uma quantia por indivíduo.” (RODRIGUES, 1990, p.117) .

Portugal ainda tinha grande parceiros como Lundã. Mas, somente no século XIX Portugal conseguiu eliminar os intermediários e comerciar diretamente com Angola e Congo. Após inúmeras batalhas e acordos com Manicongo, Ngoiô, Matamba e Cassanje respectivamente, começa um comercio mais direto com Angola e Congo. Angola era muito mais ligada ao Brasil que a Portugal, por exemplo. Com a independência do Brasil em 1822, Angola teve grande intenção de se anexar ao Brasil. Isto dificultou o reconhecimento de Portugal, já que ia de encontro a seus interesses perder as possessões na África. A Abolição feita em 1836 foi ignorada por muito tempo. Assim como Lagos, Daomé foram centros de vinda de iorubas para o Brasil e principalmente para a Bahia, Luanda foi o centro de vinda de escravos Bantus para o Rio de Janeiro e Porto Alegre, embora haja grupos misturados nos estados.


Conseqüências da permuta Humana: África, Europa e América.
África:
Alguns historiadores europeus dizem que as principais mudanças dos anos pós-escravidão foi às migrações e mudanças de populações internas e externas, ou seja, o chacoalhar do continente, misturando várias etnias em vários locais. Outra conseqüência bem interessante foi à sumária transposição de culturas como o milho, a madioca, o tabaco, ou seja, produtos que não havia na África e sim na América. Para se ter uma idéia certos autores (não citados por Ki-Zerbo), defenderam que o tráfico interno, ou seja, o árabe fez muito mais estragos na África, tendo mais gente sido arrancada de suas terras.

Europa:
Com os lucros do tráfico negreiro, que chegaram até 800%, os europeus deram o boom que precisava para investir nas indústrias. A escravidão serviu de alimento de mercado europeu.

América:
Nas Américas, temos várias conseqüências, tanto culturais, econômicas, e sociais. Hoje devemos várias coisas a influencia negra, em nossa alimentação, em nossa arte, etc.
A cultura do Rio Grande do Sul se encheu de práticas africanas, e por mais estranho que pareça, de mais práticas yorubás que Bantas.
Até a religião afro, permaneceu na América. Com a escravidão temos mais uma “raça” agregada as outras duas que formam o Brasil.








Bibliografia
RODRIGUES, João Carlos. Pequena História da África Negra, ed. Globo, 1990.
SILVA, Alberto da Costa. A Enxada e a Lança: A África antes dos Portugueses, 2 edição, ed. Nova Fronteira, 1996.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, 3 edição, ed. Universitária, 1999.